segunda-feira, 7 de setembro de 2009




João Denys volta aos palcos hoje com texto e direção em parceria com a Cia do Ator Nú.


O PRÍNCIPE E O COVEIRO

A estreia nacional do espetáculo Encruzilhada Hamlet, da Cia do Ator Nu, é a atração de hoje do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga. A dramaturgia do pernambucano João Denys passeia por Shakespeare e por referências ligadas à vida dos atores

angélica feitosa
angelica@opovo.com.br
07 Set 2009 - 01h57min



O impensável e improvável acontecem. Príncipe e coveiro, Hamlet e vassalo, ocupam a mesma cova. A vala é contemporânea ao dia em que a cena acontece, num presente decorrido mais de quatro séculos depois de escrito o drama shakesperiano. Os dois corpos nus, presos num espaço e agarrados pela terra, produzem embate. São água e vinho. Hamlet amarrado na horizontalidade e ligado ao intelecto. O coveiro ruma por outro sentido: a verticalidade do seu conhecimento a partir das coisas que provou e viveu – uma percepção clara e empírica do mundo. Em algum momento, eles formam a cruz necessária para o espetáculo Encruzilhada Hamlet.

“Esse cruzamento aparece na peça de várias maneiras, inclusive do nosso corpo”, confidencia o ator e coordenador de produção, Edjalma Freitas. Ainda dá tempo viajar à serra e assistir a Encruzilhada Hamlet, que estreia nesta segunda, 7, quarto dia do 16º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga. A montagem parte de uma pesquisa cuja primeira fagulha foi riscada há cinco anos. Era o instante em que surgia a Cia do Ator Nu, parceria cênica de Edjalma com o também ator Henrique Ponzi. A peça, no entanto, é somente o terceiro trabalho em conjunto da dupla – os dois enveredaram primeiro por outros caminhos. Antes, fizeram uma visita pelas obras de Caio Fernando Abreu, no espetáculo Fio Invisível da Minha Cabeça e do dramaturgo pernambucano Norberto Cordeiro, com Cartas para um Mozartiano.

Em 2004, a dupla convidou o dramaturgo João Denys, professor da Universidade Federal de Pernambuco, para uma pesquisa em conjunto. A ideia inicial seria a de enveredar por uma dramaturgia a partir do texto do alemão Heiner Müller, Hamlet Máquina (Hamlet-Machine). Decidiram, entretanto, partir do provedor maior desse texto, o próprio Shakespeare. “Quanto mais a gente se aproximava de Shakespeare, mais o Müller ficava em segundo plano”, calcula Henrique.

Personagens e vida
Aos poucos, os personagens de Hamlet e do coveiro se misturam às vivências dos próprios atores e o texto ganha linhas indissociáveis do escrito de João Denys. O dramaturgo nascido em Currais Novos (RN), a 180 km de Natal e radicado em Recife, exprime os traços locais da oralidade, toca em temas universais e arranca um pouco do estigma de regionalização da produção do Nordeste. “Porque nunca se pode esquecer-se de colocar uma produção do Nordeste, mesmo com temas ligados à Região, como algo universal. Não podemos competir isso só ao Sul do País”, disse ao O POVO o dramaturgo João Denys, em entrevista por telefone antes do início do festival.

“Hamlet e o coveiro são personagens tão fortes que transcenderam à própria peça, ganharam dimensão muito além dos escritos de Shakespeare. Existem inúmeros livros estudando o personagem principal e outros que apontam muita sabedoria e conhecimento no coveiro”, credencia Edjalma a escolha dos dois personagens para o texto contemporâneo. O espetáculo tematiza o patriarcalismo, os sonhos de vida e de morte, a luta de classes. Passa, principalmente, pela impossível conciliação plena dos opostos. Drama, tragédia e comédia se misturam. O coveiro, aliás, tem às claras toda a situação. Ele sabe que é um personagem criado por Shakespeare, que não pertence à época do agora, enquanto Hamlet está meio perdido, tentando achar respostas.

Embora os dois artistas apareçam sem roupa em cena, é bom deixar claro não é esse o centro dos trabalhos do grupo. A companhia é do Ator Nu porque acredita no teatro de e para o ator. No homem está todo o foco da arte dramática. É o encenador o centro de toda a interpretação, o motivo de toda a pesquisa, e qualquer que seja o aparato usado, ele sempre deve ser justificado a partir do ser humano no palco.

O convite para compor a Mostra Nordeste, a principal do festival, teve uma ligação muito forte com um investimento da companhia. O grupo participou da mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba, o Fringe, bancando do bolso todos os custos para ir à capital paranaense mostrar Fio Invisível da Minha Cabeça. “Tivemos várias condições adversas, como um piano no meio da sala que aconteceu a apresentação. Aquele objeto enorme não tinha nada a ver com a peça, só não dava para ser removido. Ainda assim, a apresentação foi bacana e redeu frutos. Estamos aqui”, comemora Edjalma. A expectativa é que os mesmos ganham se repitam na estreia de hoje.

Ficha técnica do espetáculo Encruzilhada Hamlet.

Encenação, Cenografia, Figurinos e Dramaturgia: João Denys.

Ator e Coordenação de Produção: Edjalma Freitas.

Ator e Produção Executiva: Henrique Ponzi.

Trilha Sonora: Naná Vasconcelos.

Iluminação: Saulo Uchoa.

Maquiagem: Marcondes Lima.

Preparação de Voz: Rose Mary Martins.

Preparação de Corpo: Miriam Asfóra.

SERVIÇO:
ENCRUZILHADA HAMLET, espetáculo da Cia do Ator Nu, com dramaturgia e direção de João Denys, no 16º Festival Nordestino de Teatro. Segunda, 7, às 19 horas, no Teatro Rachel de Queiroz, em Guaramiranga. Ingresso: R$ 5 (inteira) e R$ 2,5 (meia). Outras informações: (85) 3246 5555 ou www.agua.art.br/fnt2009

TEMPORADA 2009:

Quando: de 12 de setembro a 18 de outubro. Sábados e domingos, sempre às 20h

Onde: Teatro Barreto Júnior (Rua Estudante Jeremias Bastos, s/n – Pina)Informações: (81) 3232.3054

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