sexta-feira, 13 de abril de 2007

Antônio Cadengue dirige Gustavo Haddad como michê de luxo e nu em espetáculo de João Silvério Trevisan



Por Gustavo Ranieri















Uma Quinta-feira Santa regada ao desdobramento da dor através de uma sessão sadomasoquista. É essa a temática do espetáculo teatral Hoje É Dia do Amor, que estréia nessa sexta-feira, dia 6 de abril, em São Paulo.Escrita por João Silvério Trevisan e dirigida por Antonio Cadengue, a peça, que faz parte do projeto E se fez a Praça Roosevelt em sete dias, é um monólogo com intensa interpretação de Gustavo Haddad, que vive um michê de luxo. O personagem diz que, na Quinta-feira Santa, Cristo instituiu o "dia do amor", e para viver essa experiência ele fica acorrentado nu a uma cruz, enquanto evoca trechos bíblicos e tenta desconstruir o sentido da dor.Em entrevista ao G Online, Trevisan contou que pretende causar com essa peça um sentimento de estranhamento. “Um sentimento de estranhamento porque não há como propor esse diálogo com a peça estabelecendo todo o contexto, toda a cena e o que acontece ao redor dela. É uma peça de impacto, um estranhamento através do qual eu estou devolvendo aos espectadores o que eles poderiam me perguntar. Eu suscito uma pergunta e a devolvo no final. Assim, a peça começa com um espelho e termina com um espelho enorme, para que os espectadores se contemplem, no sentido de se confrontarem com as suas próprias dores”, explica.Segundo Trevisan, que é colunista da G Magazine, o espetáculo não é inspirado em um fato real, mas é uma homenagem ao jornalista João Xavier (o jovem que foi discriminado, junto com o namorado, no Shopping Frei Caneca, em 2003, em São Paulo, fato que gerou o histórico beijaço público nas dependências do shopping no mesmo ano).“Eu tinha uma enorme admiração pelo João e não consegui digerir essa saída de cena dele (João Xavier se suicidou recentemente). A coisa então ficou machucando tanto que a peça saiu como uma reação ao suicídio do João”, revela o escritor.Esse suicídio está intrínseco no espetáculo, de acordo com Trevisan. “Meu personagem celebra o dia do amor, mas por conta da notícia de um amigo que se matou. É pra isso que eu utilizo a cena de sadomasoquismo que sempre acontece à beira do abismo, que é uma cena de grande radicalidade e por isso é uma experiência de valor de revelação.Além de ser encenado, o texto de Hoje É Dia do Amor fará parte do livro E se fez a Praça Roosevelt em sete dias, que contará com o texto de sete dramaturgos.



Serviço:Hoje É Dia do Amor

Teatro Satyros 1- Praça Franklyn Roosevelt, 124.

Tel: (11) 3258-6345



ENTREVISTA


Gustavo Haddad
Um michê sadomasoquista no lugar de Cristo















O ator que está monólogo Hoje é Dia do Amor, em cartaz em São Paulo, fala sobre a experiência de interpretar um michê de luxo, adepto ao sadomasoquismo e que permanece nu e amarrado todo o tempo em cena.

Aos 30 anos de idade o ator Gustavo Haddad já trilhou um longo caminho no teatro e televisão. Com toda a versatilidade de um talentoso ator, Gustavo ficou conhecido do grande público principalmente por sua participação em novelas como Canavial de Paixões, Como Uma Onda e em Cidadão Brasileiro, onde ele interpretou um enfermeiro homossexual.

Agora, na peça Hoje é Dia do Amor, de João Silvério Trevisan e direção de Antonio Cadengue, Gustavo enfrenta um duplo desafio: fazer seu primeiro monólogo e ainda por cima no papel de um michê de luxo adepto ao sadomasoquismo que numa Quinta-feira Santa tenta alcançar o limite da dor. “A peça tem toda uma simbologia cristã que vai chocar, um michê sadomasoquista no lugar de Cristo”, resume o ator.

Nessa entrevista Gustavo Haddad fala sobre os desafios do papel, onde ele fica nu e amarrado durante todo o espetáculo.

Segundo o João Silvério Trevisan, cinco atores pelo menos teriam se recusado a fazer esse espetáculo. O que te motivou a aceitar o convite?

O personagem e a possibilidade de atuação que ele proporciona. Eu não tenho pudor em relação ao personagem, os atores às vezes impõem limites pra carreira porque tem pudores. Pra mim o personagem não tem isso, o meu corpo na verdade é um mero instrumento para aquele personagem. Eu não preciso julgar aquele personagem para poder fazê-lo, não preciso concordar com as atitudes dele. Eu simplesmente empresto o meu corpo para ele durante um determinado tempo.

Quais as maiores dificuldades encontradas para fazer essa peça?

Decorar o texto. Foi muito difícil fazer um monólogo porque é o meu primeiro e você não tem um contraponto. Aquele texto tem que estar inteiro na sua cabeça do começo ao fim, pois eu estou o tempo todo parado, algemado e amarrado. Não tem nenhuma movimentação que me leve a lembrar do texto. A peça tem 1h10 de duração e são 32 paginas de texto corrido que eu tive de decorar.

E quanto tempo você demorou para ensaiar?

Ensaiei durante 20 dias, foi o tempo que tive para me preparar psicologicamente, emocionalmente e tecnicamente para fazer esse personagem, que é uma coisa diferente que eu nunca fiz na minha vida.

Como é ficar nu a peça inteira? Houve algum constrangimento?

Não, eu me preocupei muito no início com relação a estética, o que seria esse nu, se seria gratuito. Lendo a peça em primeiro momento eu pensei: ‘caralho, isso vai ficar exposto, vai ser um problema, como estarei ali pelado com um negócio preso no pênis?’. Mas depois foi chegando o cenário, a iluminação e agora é engraçado que me sinto coberto em cena e não exposto. Eu estou dentro de uma caixa que parece um oratório com sombras e um quadro do Paulo Sayeg atrás, como uma obra de arte. É na verdade uma obra de arte, um quadro, só que sadomasoquista.

Em Hoje é Dia do Amor você tentar fazer um desdobramento da dor. O que você espera que o público entenda desse espetáculo?

Eu acho que hoje em dia a dor e o sofrimento humano estão banalizados, as pessoas não se importam com mais nada. Alguém arrasta um menino por sete kilômetros, sai no jornal e todo mundo já esqueceu. As pessoas não ligam mais para a dor alheia. O meu personagem passa o tempo todo tentando controlar a dor, ele tem o controle total emocional e racional da dor. Eu acho que as pessoas ao darem de cara com uma pessoa dessa tão fria e calculista vão tentar rever os conceitos, o que é a dor e o que realmente faz sofrer.Mas você acredita que o público ficará chocado? Eu acho que o público vai ficar chocado a partir do momento que entrar no teatro, pois é uma cena chocante. Eu estou amarrado a uma cruz como Jesus Cristo e essa metáfora existe porque o meu personagem quer saber como foi o sofrimento de Cristo. Na história, o grande amor da vida dele se matou numa Quinta-feira Santa, que é o dia da Santa Ceia, quando Jesus disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. É por isso que a peça tem toda uma simbologia cristã que vai chocar, um michê sadomasoquista no lugar de Cristo.

Essa não é a primeira vez que você interpreta um homossexual, né?

Não, fiz um personagem homossexual na novela Cidadão Brasileiro, mas já tinha feito também em uma peça chamada Pobre Super Homem.

Alguma vez você ficou receoso de interpretar um homossexual?

Nunca fiquei, eu tenho minha sexualidade muito bem resolvida desde adolescente. Eu nunca tive problema com relação a isso e nem com relação a minha vontade e meus desejos. Eu sou uma pessoa que não racionalizo os meus desejos, eu sinto, pronto e acabou. Para mim eles são personagens, pessoas que eu acho interessante e não pela orientação sexual, mas pela forma como esses personagens encaram a vida. São personagens ricos, independente da orientação sexual.

Qual a sua visão sobre o universo gls?

Eu encaro na boa, acho que cada um deve ser feliz com o que sente, com os desejos que tem. Se cada um realizasse os seus desejos seria tão melhor, as pessoas iam se amar mais e aceitar a diferença melhor do que é aceita hoje em dia.

O que mais te agrada em Hoje é Dia do Amor?

É exatamente essa coisa da dor, essa tentativa de explicar a dor. É o mote da peça, essa função da dor na humanidade. Por que as pessoas sentem dor? Por que as pessoas querem fugir da dor o tempo inteiro e não enfrentam as coisas? Eu acho que a dor faz parte do crescimento, a gente precisa sofrer sim, a gente precisa tirar o melhor proveito dela.

Você freqüentou clubes de sadomasoquismo para estudar o personagem?

Não, não cheguei porque na minha relação pessoal eu não gosto de sentir dor e eu achei que não seria necessário para o personagem. Poderia me causar alguma coisa que eu levaria como memória emotiva e que não seria legal para o personagem porque ele curte muito o sadomasoquismo.

O João Silvério Trevisan acredita que o sadomasoquismo sempre acontece à beira do abismo. Você concorda?

Eu acho que sim, é o limite. O sadomasoquista procura esse limite da morte e quanto mais perto da morte ele estiver mais prazer ele sente.

Quando foi que a arte entrou em sua vida?

Aos 13 anos de idade eu fazia datilografia em Bauru e minha professora era uma senhora de 86 anos que tinha essa escola de datilografia e uma vasta biblioteca de teatro. Era uma estudiosa de teatro, chamava-se Celina Alves. Ela me dava os livros de teatro para treinar datilografia e aquilo me fascinou, aquelas histórias. O primeiro texto que eu datilografei foi uma peça de Anton Tchecov e aquilo me levou para um universo louco. Depois ela quis montar um espetáculo comigo. Um produtor de Campinas foi assistir o espetáculo e me convidou para fazer parte do elenco de uma peça mambembe. Comecei a fazer teatro assim. Já fiquei dentro de trem carregando cenário, dormi em escola, em estação de trem. Já passei alguns perrengues no início da carreira viajando com teatro.

E sobre posar nu? Rolaria agora?

Não, acho que não. É diferente, é outra coisa, ali é o personagem, não sou eu. Não sei se eu teria essa coragem.

4 comentários:

Ronaldo Ventura disse...

Parabéns ao blog. Precisamos de Blogs de qualidade sobre teatro! Vida longa! SOu de São Paulo. Estou no Satyros com A casa de Bernarda Alba. Pena que vocês estão longe, seria um prazer conversar com vocês! Abraços!

Anônimo disse...

Maravilhosa esta perça! o ator é lindo!

Mario disse...

Eu sou sadomazoquista. Eu já tive a esperiencia de uma mulher arranhar as minhas costas. Pena que eu não a-vi mais, senão eu ia pedir para ela arranhar as minhas costas denovo.

Jorginho Telles disse...

Eis uma peça que precisaria voltar aos palcos. Belo texto. Interpretação impecável do jovem Gustavo. Direção brilhante do Candengue. Ficarei na torcida.