Medléia Mais ou Menos Doida
Uma Medéia Pop e Kitsch
Por Bruno Siqueira
Por Bruno Siqueira
MADLEIA. Medéia. Vanderléia. MAD. Mais ou menos DOIDA. Madleia + ou – doida, o mais novo espetáculo de Carlos Bartolomeu, roteirizado e protagonizado por Henrique Celibi, já traz no título o sentido elementar da encenação: a mestiçagem, a transubstanciação, a brasilidade flagrada pelo viés do popular. Mas um popular além da teatralização do popular que os discursos hegemônicos, mesmo contando com menos seguidores agora, ainda insistem em manter. Não o popular domesticado, rural, pré-industrial. Mas o popular urbano, contaminado e transformado pela indústria cultural.
Do ponto de vista formal, o espetáculo não carrega nenhuma proposta revolucionária. Como diz o próprio encenador no programa da peça, a encenação é “arrancada do surrado ou do repetitivo”. Três são, porém, seus méritos, a meu ver.
A opção pelo brega, pelo melodramático, pela indústria do entretenimento como traços estilísticos faz com que os elementos da cena se harmonizem em prol de um efeito estético gratificante. O cenário e os adereços de Celibi se afinam muito bem com a proposta da encenação. O vermelho dominante remete ao pathos contido na tragédia grega, mas também, ao mesmo tempo, ao kitsch de alguns dos programas televisivos populares, com direito até a coraçãozinho de pelúcia.
O segundo ponto positivo do espetáculo consiste na sua mestiçagem. Há muito tempo já nos caiu a ficha de que a originalidade correspondia a um mito romântico, hoje difícil de se sustentar, senão por discursos ideologicamente comprometidos nas relações de poder. Nas tragédias clássicas, por exemplo, vê-se o dramaturgo bebendo na fonte dos mitos. O mérito artístico provinha na forma como os mitos eram focados, recortados, interpretados, renovados.
Qual a razão de se montar, nos dias de hoje, um texto clássico? No caso de Madleia + ou – doida, por que montar um espetáculo a partir de um motivo clássico? As grandes tragédias gregas lidam com temas ainda muito significativos para nós. No entanto, esses textos são significativos não pelo que significaram para os espectadores há mais de dois mil anos, mas pelo que significam nos dias de hoje. Ou seja, é a leitura contemporânea que dá sentido a um texto escrito há mais de dois milênios.
Por exemplo, em plena ditadura militar, Chico Buarque e Paulo Pontes, para além de esgotar o conflito individual de sua protagonista (Joana), fazem uma leitura política de Medéia em Gota d’água, ao ambientar a peça num complexo habitacional, a Vila do Meio-Dia, revelando as dificuldades sofridas pela população da periferia, retrato tão adverso da imagem próspera que o governo militar pretendia divulgar do Brasil.
A dramaturgia de Celibi em Madleia + ou – doida parte de Medéia e faz uma leitura carnavalizante do mito grego. O olhar do dramaturgo não se fixa nem na psicologia da personagem nem no viés político estrito que a peça carrega, mas na cultura hibridizante que transformará a tragédia de Eurípedes numa colagem de textos de diversas origens e de diversos matizes. Na peça, o dramaturgo grego convive com as seguintes personalidades: Chico Buarque, Paulo Pontes, Vanderléia, Roberto Carlos, Fernando Mendes, dentre outras. Claro que essa convivência se dá em termos de referências textuais.
Trata-se de uma paródia de Medéia, que dessacraliza a tragédia grega, inserindo-a numa cultura do entretenimento, sem, por isso, perder de vista a grande violência do amor, do abandono e do ciúme, temas subjacentes ao texto helênico.
O terceiro ponto alto do espetáculo é a atuação de Henrique Celibi. Seguro de seu trabalho, a ator dá vida a sua personagem numa interpretação vigorosa, bailando do lamento trágico, aos excessos melodramáticos e ao riso cômico, numa naturalidade própria apenas dos grandes atores.
Saliente-se também a participação de Daniel Silva, o qual, num excelente trabalho de expressão corporal, representou projeções da personagem Jasão e de forças místicas oriundas, possivelmente, da mente de Madleia. Suas aparições conferiram ao espetáculo grandes momentos de beleza plástica.
O encontro de dois grandes artistas, Carlos Bartolomeu e Henrique Celibi, resultou num trabalho instigante e representativo na trajetória artística de ambos, afinal Madleia + ou – doida é um espetáculo que descende das antológicas produções do Vivencial, grupo em que os dois participaram significativamente. Mas isso é assunto para outro texto...
Quanto ao espetáculo em foco, todos os artistas envolvidos estão de parabéns! Neste último sábado, no Marco Zero, a produção da Paixão de Cristo do Recife angariava milhares de espectadores; no Centro Cultural Apolo-Hermilo, Madleia + ou – doida reunia um público numeroso, que se deliciava com o trabalho produzido por Bartolomeu e Celibi. Diante de uma diversidade como a nossa, como conceber outra forma de cultura diferente da que foi oferecida pela encenação? É isto.
Do ponto de vista formal, o espetáculo não carrega nenhuma proposta revolucionária. Como diz o próprio encenador no programa da peça, a encenação é “arrancada do surrado ou do repetitivo”. Três são, porém, seus méritos, a meu ver.
A opção pelo brega, pelo melodramático, pela indústria do entretenimento como traços estilísticos faz com que os elementos da cena se harmonizem em prol de um efeito estético gratificante. O cenário e os adereços de Celibi se afinam muito bem com a proposta da encenação. O vermelho dominante remete ao pathos contido na tragédia grega, mas também, ao mesmo tempo, ao kitsch de alguns dos programas televisivos populares, com direito até a coraçãozinho de pelúcia.
O segundo ponto positivo do espetáculo consiste na sua mestiçagem. Há muito tempo já nos caiu a ficha de que a originalidade correspondia a um mito romântico, hoje difícil de se sustentar, senão por discursos ideologicamente comprometidos nas relações de poder. Nas tragédias clássicas, por exemplo, vê-se o dramaturgo bebendo na fonte dos mitos. O mérito artístico provinha na forma como os mitos eram focados, recortados, interpretados, renovados.
Qual a razão de se montar, nos dias de hoje, um texto clássico? No caso de Madleia + ou – doida, por que montar um espetáculo a partir de um motivo clássico? As grandes tragédias gregas lidam com temas ainda muito significativos para nós. No entanto, esses textos são significativos não pelo que significaram para os espectadores há mais de dois mil anos, mas pelo que significam nos dias de hoje. Ou seja, é a leitura contemporânea que dá sentido a um texto escrito há mais de dois milênios.
Por exemplo, em plena ditadura militar, Chico Buarque e Paulo Pontes, para além de esgotar o conflito individual de sua protagonista (Joana), fazem uma leitura política de Medéia em Gota d’água, ao ambientar a peça num complexo habitacional, a Vila do Meio-Dia, revelando as dificuldades sofridas pela população da periferia, retrato tão adverso da imagem próspera que o governo militar pretendia divulgar do Brasil.
A dramaturgia de Celibi em Madleia + ou – doida parte de Medéia e faz uma leitura carnavalizante do mito grego. O olhar do dramaturgo não se fixa nem na psicologia da personagem nem no viés político estrito que a peça carrega, mas na cultura hibridizante que transformará a tragédia de Eurípedes numa colagem de textos de diversas origens e de diversos matizes. Na peça, o dramaturgo grego convive com as seguintes personalidades: Chico Buarque, Paulo Pontes, Vanderléia, Roberto Carlos, Fernando Mendes, dentre outras. Claro que essa convivência se dá em termos de referências textuais.
Trata-se de uma paródia de Medéia, que dessacraliza a tragédia grega, inserindo-a numa cultura do entretenimento, sem, por isso, perder de vista a grande violência do amor, do abandono e do ciúme, temas subjacentes ao texto helênico.
O terceiro ponto alto do espetáculo é a atuação de Henrique Celibi. Seguro de seu trabalho, a ator dá vida a sua personagem numa interpretação vigorosa, bailando do lamento trágico, aos excessos melodramáticos e ao riso cômico, numa naturalidade própria apenas dos grandes atores.
Saliente-se também a participação de Daniel Silva, o qual, num excelente trabalho de expressão corporal, representou projeções da personagem Jasão e de forças místicas oriundas, possivelmente, da mente de Madleia. Suas aparições conferiram ao espetáculo grandes momentos de beleza plástica.
O encontro de dois grandes artistas, Carlos Bartolomeu e Henrique Celibi, resultou num trabalho instigante e representativo na trajetória artística de ambos, afinal Madleia + ou – doida é um espetáculo que descende das antológicas produções do Vivencial, grupo em que os dois participaram significativamente. Mas isso é assunto para outro texto...
Quanto ao espetáculo em foco, todos os artistas envolvidos estão de parabéns! Neste último sábado, no Marco Zero, a produção da Paixão de Cristo do Recife angariava milhares de espectadores; no Centro Cultural Apolo-Hermilo, Madleia + ou – doida reunia um público numeroso, que se deliciava com o trabalho produzido por Bartolomeu e Celibi. Diante de uma diversidade como a nossa, como conceber outra forma de cultura diferente da que foi oferecida pela encenação? É isto.
Criticas 2010
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