O diretor Claudio Lira é um apaixonado pela obra do poeta e dramaturgo Federico García Lorca (1898-1936), vítima da Guerra Civil Espanhola, durante o regime ditatorial do general Franco. O autor foi executado com um tiro na nuca por seus ideais solicialistas e, também, por ser homossexual. Deixou uma obra memorável, com destaque para três tragédias rurais passadas na sua terra natal, a Andaluzia, “Bodas de Sangue” (1933), “Yerma” (1934) e “A Casa de Bernarda Alba” (1936), que asseguraram seu nome entre os melhores do teatro universal. . A montagem conquistou o Prêmio Myriam Muniz, da Funarte, e o Fomento às Artes Cênicas, da Prefeitura do Recife.
O espetáculo tem dramaturgia, encenação e argumento de Claudio Lira, e tradução de Almir Rodrigues, o inédito espetáculo “Um Rito de Mães, Rosas e Sangue”, cujo subtítulo é “Lorca – um ato poético em três quadros”, traz à cena uma livre licença poética das três tragédias rurais do dramaturgo e poeta espanhol Federico García Lorca – “Bodas de Sangue”, “Yerma” e “A Casa de Bernarda Alba” – em uma montagem ritualística ambientada num não lugar aqui presente. Tudo é reinventado e metaforizado na cena. Nesse contexto, a personagem da Mãe é o foco central do ritual cênico, elemento aglutinador das forças que regem a natureza, entre a terra, o ar, o fogo e a água. É ela que dita às regras do jogo nos três quadros que dividem a encenação.
No primeiro quadro, com o título, “A escura raiz do grito”, Lira versa sobre a memória e o futuro da mãe no momento posterior aos acontecimentos da tragédia do texto “Bodas de Sangue”. É o desabafo de uma mãe – vivida pela premiada atriz Auricéia Fraga – perante suas lembranças, seus fantasmas e o infortúnio da morte de seu filho, assassinado no dia do casamento. Diante do túmulo deste e da ausência do marido, também já morto, e com quem conviveu por apenas três anos, ela amaldiçoa as navalhas e outros objetos cortantes, enquanto vira comentário para as vizinhas.
No segundo quadro, “A casa de Bernarda”, um universo sufocante e claustrofóbico é instaurado pela matriarca Bernarda Alba – com a atriz Ana Maria Ramos interpretando esta difícil personagem que consagrou a saudosa atriz Diná de Oliveira, na montagem do Teatro de Amadores de Pernambuco, em 1948 – que, com mãos de ferro, condena suas filhas a um luto eterno, até que alguma delas se case. Todas vivem numa casa de paredes altas e portas fechadas, enquanto a mãe costuma dizer: “nascer mulher é o maior castigo”.
No terceiro e último quadro, “Yerma Plural”, as várias Yermas são desvendadas – todas as outras atrizes estão no papel, já vivido por Geninha da Rosa Borges, em 1978, também no Teatro de Amadores de Pernambuco – que se revezam à medida que as suas esperanças vão se dissipando, na busca incessante pela maternidade, já que é uma mulher infértil. Toda a costura desse tecido cênico é feita por duas personagens opostas, Maria Josefa, a “louca” mãe de Bernarda, que anseia por vida e liberdade; e pela mendiga, símbolo de agouro presente em alguns textos de Lorca, figura que, segundo o próprio autor, é a morte na iconografia da sua obra. No elenco, Ana Maria Ramos, Auricéia Fraga, Andrêzza Alves, Daniela Travassos, Luciana Canti, Sandra Rino, Lêda Oliveira, Lano de Lins e Zé Barbosa.
O trabalho partiu da análise dos três textos de Lorca, pontuando as cenas por unidades e, a partir daí, a escolha de frases e palavras representativas, além da partitura corporal, que aproveitou, inclusive, as técnicas da yoga. Como resultado, uns dez roteiros foram construídos para resultar na dramaturgia atual, concebida em conjunto por todos os intérpretes, tendo como foco a maternidade – a perda de um filho, a opressora da família e o desejo de parir. Também foram importantes as histórias de várias mulheres da comunidade do Pilar, no Bairro do Recife, que perdem seus filhos quase sempre para a guerra do tráfico. Esta pesquisa foi realizada pelo diretor Claudio Lira em conjunto com a fotógrafa e videasta Tuca Siqueira, que assina o vídeo cenário da peça e a exposição que ficará em cartaz no hall do teatro, com depoimentos de algumas dessas mulheres, além de imagens.
Ainda na equipe técnica da montagem, Luciano Pontes na direção de arte, Adriana Milet na direção musical – a sonoplastia é executada pelo próprio elenco, e Luciana Raposo na iluminação. montagem conquistou o Prêmio Myriam Muniz, da Funarte, e o Fomento às Artes Cênicas, da Prefeitura do Recife. Claudio Lira dirigiu, entre outros trabalhos, “Alheio”, “Versos do Nós”, “Maçã Caramelada” e “Três Viúvas de Arthur”.
“Não há teatro separado da vida e não há grande teatro que não seja poético”. O ritual está lançado...
Não PERCAM!!!