segunda-feira, 11 de junho de 2007

***ESTREIA***A FILHA DO TEATRO***

A FILHA DO TEATRO
A SERAFIM TRAZ SEU NOVO ESPETÁSCULO NO PALCO DO HERMILO



Numa realização da Cia. Teatro de Seraphim, a peça a peça de Luís Reis, põe a nu os mecanismos de uma decomposição das relações humanas e profissionais, através de um jogo em que três atrizes se revezam em três personagens, esculpindo com as palavras uma trama de transbordamento de vida dentro da vida, do teatro dentro do teatro, privilegiando um de seus maiores dons: o da transformação, da metamorfose de um em outro, para um público que se deseja íntimo e que, de perto, pode acompanhar estas transmutações.


Um quase melodrama em três tempos


No palco nu, três atrizes aguardam a entrada do público e o início do espetáculo. Soado o terceiro sinal, uma de cada vez, põem-se em movimento. Sempre que deixam as cadeiras e vêm à boca de cena, transmutam-se em personagens: uma mãe, uma filha, uma outra mãe, postiça. Elas contam suas histórias, que se entretecem para constituir uma história única, narrada em compasso ternário. Na trilha sonora, um tiro, um choro de criança, uma prece.

Com esses ingredientes despojados Luis Reis arma sua peça. Um pé no melodrama, como ele mesmo diz, mas com tonalidade moderna. Um história que acontece no teatro, envolvendo um casal de atrizes, uma protagonista de show pornô e uma criança que nasce no interior desse triângulo.

Como estrutura, a alternância das vozes, demarcadas por aqueles sinais sonoros. Uma estrutura bem pouco dramática – a rigor, nada dramática – mais próxima da literatura contemporânea, construída por diversos narradores na primeira pessoa do singular. (Na teoria do teatro, já admitimos sem remorsos a presença de textos discordantes do cânone dramático. Sabemos que eles não são incompatíveis com o palco. Mas são certamente um desafio para os encenadores, que devem saber extrair deles sua teatralidade, sua qualidade cênica).

Neste caso, importa menos a trama do que o ponto de vista do narrador. É sua ótica, no confronto com as outras perspectivas, que propicia um elemento de tensão no interior da fabula.

Outro elemento de confronto, em A Filha do Teatro, é a associação de dois mundos opostos, o da classe média e o do bas fond, do experimentalismo vanguardeiro das profissionais do teatro e o outro lado da cerca, onde o uso “artístico” do corpo é meio sórdido de sobrevivência.

Na tradição melodramática, o destino – que pode ser a força da natureza, o acaso – é responsável por boa parcela dos acidentes dramáticos que pontuam a trama e, em geral, pelo desfecho. Há uma inevitabilidade da desgraça, reforçada pela ação dos “maus”, aqueles cujos antecedentes os condenam. No ensaio melodramático aqui apresentado, esse lugar está ocupado pela impropriedade do consórcio constituído pelas três mulheres no passado – já que uma delas é apenas mencionada, sem existência física no palco – e a insistência em se preservar essa relação. A inadequação do acordo, a impossibilidade de harmonia entre realidades tão incompatíveis encontra seu desfecho na introdução no plano da narrativa do elemento masculino, marginal e desestruturador, que provoca a morte, inesperada e gratuita, e por isso trágica, de uma das mulheres dessa família singular.

O que assistimos em cena, é à evocação desse passado, no momento em que a situação já se encontra estabilizada, chegada a seu termo. No plano do presente não há mais impacto ou conflito, apenas memória. É a memória o motor da narrativa. Uma memória destituída de paixão, conformada.

Acrescente-se a isso, a diluição intencional do possível impacto dos conteúdos evocados pela afirmação constante do caráter metalingüístico do evento cênico. Luis Reis obriga as atrizes a um rodízio de personagens, destituindo-as da propriedade de uma e qualquer delas. Essa condição acentua o patético do relato, e também contribui para sua desdramatização, agora no sentido vulgar do termo, de evento embebido em sentimentalismo. Os sentimentos ou emoções, na peça de Luis Reis, dissolvem-se no plano metalingüístico da narrativa, na sua recusa da atualidade dramática, do diálogo. No protagonismo solitário do monólogo – de todas as formas do teatro, aquela que se encerra em si mesma, sem possibilidade de intervenção de um semelhante – ressoa a dimensão solitária de cada uma dessas mulheres, ao final isoladas cada qual em seu mundo, revelando a fragilidade dos elos de amor e solidariedade que pareciam uni-las no primeiro tempo deste relato.


Silvana Garcia Pesquisadora, autora de livros sobre teatro, professora da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo


O texto de Luis Reis revela uma qualidade essencial para aqueles que pretendem escrever para o teatro: a concisão da linguagem, a escolha certa das palavras, a clareza sobre o que deve ou não ser dito, ao se contar uma história. Os relatos entrelaçados em A Filha do Teatro – outra feliz escolha de título de vocação melodramática combinada à natureza metalingüística da arte contemporânea –, encaixam-se bem nos ouvidos exigentes. O drama armado pelo autor dá conta de todos os aspectos sensíveis das relações entre as personagens sem cair em excessos ou em truques narrativos. Trata-se de uma peça despretensiosa, no seu melhor sentido, escrita com delicadeza de autor maduro. Assim se faz um bom teatro.


Com Marilena Breda, Cristina Romeiro e Lúcia Machado.

Direção de Antonio Cadengue.



Teatro Hermilo Borba Filho
Estréia dia 5 de junho de 2007
Terças e quartas às 20h
A temporada segue até 25 de julho.
CONFIRAM!!!!

segunda-feira, 4 de junho de 2007

*****ANGU DE SANGUE*****

REALIDADE URBANA ESTENDE TEMPORADA
ANGU DE SANGUE
COLETIVO ANGU DE TEATRO TRAZ AOS PALCOS RECIFENSES 10 CONTOS DO ESCRITOR MARCELINO FREIRE DE FORMA CONTUNDENTE E ARREBATADORA.
Os palcos do Recife continuarão a receber o premiado espetáculo Angu de sangue, da Cia. Angu de Teatro, com apresentação no Teatro do Parque, onde permanecerá em curta temporada durante as quintas-feiras de junho. Baseado no livro homônimo do escritor pernambucano Marcelino Freire, a peça tem direção de Marcondes Lima, que também assina cenário, figurino e maquiagem.
O espetáculo traz no elenco Fabio Caio, Gheuza Senna, André Brasileiro, Ivo Barreto e Hermila Guedes. Durante uma hora e quinze minutos, o espetáculo multimídia, que flerta com a videoarte, conta dez histórias interligadas através de vídeo e músicas, sustentadas pela intensidade dramática dos monólogos, onde se fundem elementos trágicos, cômicos, dramáticos e melodramáticos, alternando prosa e poesia. A encenação concentra-se no jogo contém/está contido, como na palavra "sangue", que, em si, abriga a palavra "angu": s-angu-e.


O que se falou de angu de sangue, nas suas únicas apresentações em Sampa.

Nem arroz, nem feijão, nem bife. Em meu jantar de ontem foi servido angu. puro e seco. Quer dizer, com um pouco de sangue. É, sangue. Esse que corre nas veias, sabe? Pra piorar, comi num porão frio e escuro, sentado numa tábua sem encosto.
Assim foi a apresentação do coletivo angu de teatro no centro cultural são paulo. Parte da segunda mostra latino-americana de teatro de grupo, a peça angu de sangue é baseada em contos do livro homônimo e de balé ralé, ambos do escritor marcelino freire. depois de um pequeno tumulto para conseguir ingresso – foi necessária uma segunda sessão – o grupo do recife veio dizer à são paulo que esta cidade não é a única em que predomina a solidão, violência, exclusão, persistência e dor. Que as pessoas não conversam, não se ouvem, não se entendem. Apenas falam. Falam ao mesmo tempo, falam sozinhas, falam com todos e com ninguém.
logo no primeiro conto, "faz de conta que não foi. nada", já dá vontade de mandar os atores calarem suas bocas, tanta é a angústia, a indiferença e a rapidez com que narram a história de um menino de rua assassinado. É assim também no emocionante "socorrinho", contado e cantado por hermila guedes, no qual uma garota, representada por uma boneca, é estuprada. Ou então em "muribeca", em que a catadora de lixo, que mora numa geladeira, descobre que o lixão de onde tira todo seu sustento vai ser desativado.
O grupo recifense conseguiu ilustrar de maneira simples e fiel os contos de marcelino, que parecem ter sido escritos para o teatro. Mesmo os textos com apenas um personagem soam como diálogos, seja com a consciência ou com uma terceira pessoa inventada a fim de colocar nela a responsabilidade de um destino cruel. no espetáculo, os contos se transformam em cenas ágeis e densas, que nos conduzem rapidamente para o mundo daqueles personagens que, primeiro condenamos ou sentimos pena. Depois, percebemos que são iguais a nós, frágeis e incompletos, numa sociedade em que todos falam, mas ninguém ouve ninguém.


SERVIÇO:
Angu deSangue
quintas-feiras, às 19h30
Teatro do Parque - Rua do Hospício, nº 81, Boa Vista - Recife
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia)